
In Expresso- 12-01-07
A morte prematura por anorexia e bulimia nervosas está a atingir proporções nunca antes vistas no Brasil. Desde Novembro, seis adolescentes brasileiras entre os 14 e os 23 anos perderam a vida, apanhadas na armadilha de uma obsessão sem limites.
“Infelizmente, não se conhecem as razões que deram origem a este quadro clínico no país, apenas especulações”, explica Walmir Coutinho, endocrinologista brasileiro e presidente da Federação Latino-Americana de Sociedades de Obesidade (FLASO).
Segundo o especialista, a obsessão pela profissão de modelo pode explicar as perturbações alimentares que, neste momento, atingem os membros mais jovens de muitas famílias brasileiras. “Aqui no Brasil, em quase todas as famílias há pelo menos um adolescente a fazer dieta”. O sonho de desfilar nas passerelles leva muitas raparigas a tentar emagrecer sem um acompanhamento psicológico e médico, uma opção que pode conduzi-las à morte.
Walmir Coutinho acredita, por outro lado, que o acesso generalizado às comunidades “pró-ana”, na Internet, também potencia as disfunções do foro alimentar. Estes «sites» e grupos de discussão tendem a desvalorizar o tratamento clínico da anorexia nervosa, entendendo a doença como uma mera opção de vida, e limitam-se a servir de “intercâmbio de informações sobre os comportamentos de risco”.
Os distúrbios alimentares têm uma maior incidência em jovens entre os 14 e os vinte e poucos anos de idade, embora existam casos de crianças com 8 e 9 anos internadas em hospitais brasileiros por causa da doença, refere Walmir Coutinho.
Obesidade e inibidores de apetite
Actualmente, 15% dos adolescentes brasileiros têm peso a mais. Dados recentes indicam que a obesidade infantil no país aumentou 239% nos últimos 20 anos, contra 66% nos Estados Unidos, em igual período.
Muitos dos jovens tentam emagrecer através da ingestão de medicamentos inibidores de apetite que podem ser prescritos pelo médico ou comprados ilegalmente na Internet. Apesar da preocupação já demonstrada pela Organização Mundial de Saúde, “o Brasil é hoje o maior consumidor mundial de inibidores de apetite”, explica o presidente da FLASO.
Apesar das evidências de uma dieta de risco, o especialista em perturbações alimentares diz que “não é possível estabelecer uma relação directa entre a ingestão de medicamentos e a morte das seis adolescentes brasileiras”. Ainda sobre estes casos, Walmir Coutinho reconhece que a rede de saúde pública brasileira não está preparada para tratar doentes com anorexia e bulimia nervosas. “Há ainda muitas falhas, sobretudo ao nível do diagnóstico da doença. É preciso trabalhar rapidamente para diminuir as carências”, acrescentou.
Contagem macabra
A vítima mais recente, Maiara Galvão Vieira, 14 anos, sonhava ser modelo. Media 1,70 m, pesava apenas 38 quilos e não resistiu a uma paragem cardíaca no passado sábado. Antes de ser internada durante 26 dias no hospital Miguel Couto, na zona Sul do Rio de Janeiro, a jovem passou pelas urgências de três hospitais, sem que a doença fosse diagnosticada. A família ameaça agora processar o estado do Rio de Janeiro, o município e os administradores dos hospitais por negligência.
Já lá vão dois meses desde que a morte de Ana Carolina Reston deixou em choque o mundo da moda. A modelo de São Paulo tinha 21 anos e foi a primeira vítima de anorexia noticiada pela imprensa brasileira no ano passado. O episódio dramático correu mundo e diversas agências de modelos, nacionais e estrangeiras passaram a exigir certificados médicos e exames de sangue às suas candidatas. O São Paulo Fashion Week impôs limites mínimos ao Índice de Massa Corporal (IMC), que mede a relação entre o peso e a altura das modelos. Outros eventos de moda internacionais seguiram-lhe o exemplo.
No entanto, a contagem das mortes prematuras causadas por graves distúrbios alimentares não ficou por aqui. Dois dias depois, a estudante Carla Casalle, 21 anos, também não resistiu à doença. Media 1,70 m e pesava 45 quilos. Seguiram-se Rosana de Oliveira e Beatriz Ferraz, ambas com 23 anos. No último dia do ano, a morte de Thayrinne Machado, 16 anos, veio confirmar uma tendência preocupante na sociedade brasileira, para a qual nem a própria classe médica do país encontrou ainda resposta.
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