
A vontade que tenho de me curar é grande (mas também já foi maior), mas a voz da Mia consegue ser superior! A realidade é que a Mia vai-me acompanhar sempre e que talvez eu nunca me vou conseguir curar, não assim, não sem uma ajuda maior!” Estas palavras foram escritas num blogue por uma adolescente portuguesa, de 17 anos, no qual se identifica como sendo “gorda, paranóica, complexada”. O objectivo, diz, é “conseguir os 46 kg”, acrescentando: “Já que com a Mia não deu certo que venha a Ana!” Mónica – assina “mon!c@” – é apenas um exemplo entre os milhares que podem ser encontrados numa qualquer pesquisa na ‘net’ sobre as doenças anorexia e bulimia ou sobre os movimentos pró-Ana e pró-Mia (ver glossário).
Esta comunidade de jovens entre os 15 e os 25 anos, obcecadas pela magreza extrema, está acessível a qualquer pessoa interessada em adoptar aquilo que consideram “um estilo de vida” e não uma doença. Uma das características destas raparigas é a recusa em aceitar ou sequer ouvir a opinião de quem é contra. Nos blogues e ‘sites’ do género é comum lerem-se insultos e avisos que têm como objectivo manter o mais longe possível as “pessoas que não conseguem entender esta forma de vida”. O psiquiatra Roma Torres diz que estes ‘sites’ “podem ser preocupantes, pois ampliam comportamentos perigosos que podem levar à morte”. Com origem nos Estados Unidos, os movimentos pró-Mia e pró-Ana alastraram facilmente a países como o Brasil, Portugal, Inglaterra, França, Itália e Espanha. Este rápido crescimento já motivou a realização de alguns estudos sobre o fenómeno, que concluíram existir uma relação entre os ‘sites’ e blogues e o aumento do número de casos de anorexia e bulimia.O ‘Journal of Pediatrics’ e o ‘Journal of Adolescent Health’ publicaram conclusões que permitiram estabelecer essa ligação. Dos 76 doentes inquiridos, mais de metade admitiu ter consultado ‘sites’ sobre distúrbios alimentares. Desses, 96 por cento disse ter aprendido novas técnicas para fazer dieta e de indução de vómito.De origem desconhecida são duas cartas que podem ser encontradas no circuito pró-Ana e pró-Mia, nas quais as doenças anorexia e bulimia assumem identidade própria. “Querida Leitora, Permita-me apresentar. Anorexia Nervosa é meu nome completo, mas você pode me chamar de Ana”, lê-se num texto em português do Brasil.Na carta de Mia, por sua vez, está escrito: “Quando comer mais que uma baleia e sentir-se enorme, sou eu que lhe ajudarei curvando seu corpo à pia, ou ao vaso sanitário, fazendo com muita força; forçando sua garganta para que toda aquela comida nojenta saia descarga abaixo, e assim você se sentirá limpinha, renovada e com um belo estômago de pena.”
MORTES POR PERDER PESO CHOCAM BRASIL
A 14 de Novembro, o Brasil despertou para uma realidade preocupante, com a morte de uma jovem modelo de 21 anos. Ana Carolina Reston Macán foi a primeira de cinco raparigas que, em menos de dois meses, morreram vítimas de anorexia ou das suas consequências. A modelo media 1,74 metros e pesava, à data da morte, 40 quilos. Dois dias depois foi a vez de Carla Sobrado Casalle, também de 21 anos, estudante de moda, que chegou a pesar 47 quilos. Apesar do tratamento, não resistiu a duas paragens cardíacas. Pesava 55 quilos. A terceira vítima chamava-se Rosana de Oliveira, tinha 23 anos e morreu, também, de paragem cardíaca. Com 1,68 m de altura, a manicura pesava 40 quilos. A professora de História Beatriz Cristina Ferraz Lopes Bastos, também de 23 anos, morreu com 35 quilos. A última morte aconteceu no dia 31 de Dezembro. Thayrinne Machado, de apenas 16 anos, faleceu no Rio de Janeiro, com 46 quilos. Em Portugal, os números do Hospital de Santa Maria dão conta de cinco vítimas mortais até Novembro de 2006.
PESO MÍNIMO EXIGIDO
Na sequência das vítimas de anorexia no Brasil, o mundo da moda adoptou medidas para evitar o recurso a jovens demasiado magras. Espanha, Índia e Grã-Bretanha proibiram modelos muito magras, recorrendo ao Índice de Massa Corporal (IMC) – que avalia a relação entre a altura e o peso, estabelecendo valores-limite. As modelos que apresentem um IMC abaixo de 18 (valor mínimo considerado saudável) são rejeitadas.
GLOSSÁRIO
ANOREXIA NERVOSA
É uma doença caracterizada por uma dieta alimentar rígida, que resulta num peso bastante abaixo do normal. Com maior incidência no sexo feminino, em jovens entre os 15 e os 25 anos, pode provocar a morte.
BULIMIA NERVOSA
Doença marcada pela ingestão excessiva de alimentos, compensada pela indução do vómito, uso de laxantes e diuréticos e exercício físico exagerado.
PRÓ-ANA E PRÓ-MIA
As jovens que sofrem de anorexia e bulimia chamam-se Ana (anorexia) e Mia (bulimia) umas às outras. A comunidade de internautas, cada vez maior, é muito fechada e rejeita qualquer aproximação de quem é contra o movimento.
MIAR, LAX, NF e LfO recurso a abreviaturas é muito frequente nos textos existentes nos blogues destas jovens. Miar significa vomitar; LAX refere-se a laxante; NF vem do inglês No Food (sem comer) e LF Low Food (pouca comida).
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