sábado, janeiro 13, 2007

O marketing da anorexia

Nas sociedades menos influenciadas pelos padrões dominantes atuais, notadamente ideais estéticos, a incidência de distúrbios alimentares (bulimia e anorexia nervosas) é pouco observada. Apesar de não representar comprovação científica de uma relação entre a valorização da beleza e a doença, essa informação é um indicador que merece atenção. O dado justifica que a classe médica e a sociedade reflitam sobre a influência desse fator social, além dos biológicos, no desenvolvimento da patologia. Para início de conversa, deve-se admitir que a glamourização da magreza não afeta negativamente apenas às modelos. Esse conceito deixou de ser exigência profissional para incorporar-se como condição para aceitação social. Estimativas demonstram que entre 1% e 1,5% das mulheres jovens enfrentam a doença (com taxa de mortalidade de 2%) e a grande maioria só viu a passarela pela TV. Além disso, pela lógica do marketing agressivo, os distúrbios conquistam mais “consumidores” a cada dia e avançam em novas faixas etárias. Comum em adolescentes a partir de 12 anos, já existem casos de garotas de 8 anos que têm uma relação mórbida com a alimentação por considerarem-se gordas. Portanto, não é uma questão de práticas trabalhistas distorcidas, mas de saúde pública. As pessoas que desenvolvem o distúrbio têm uma personalidade vulnerável que, aliada às condições genéticas, deixam-nas mais influenciáveis aos valores propagados na comunicação de massa. A valorização de fatores externos em detrimento de outros afasta as pessoas das experiências afetivas da relação humana, construída e alimentada através do convívio familiar e com amigos. Dessa maneira, elas se tornam suscetíveis aos relacionamentos grupais artificiais, regidos por emoções padronizadas e construídas como respostas mercadológicas planejadas. Se esse indivíduo recebe, incessantemente, mensagens que relacionam o corpo magro com sucesso e felicidade, ele rapidamente irá “comprar” a idéia e atribuir as suas dificuldades ao excesso de peso. Essa conclusão facilmente irá se transformar na obsessão e na compulsão que caracterizam tanto a bulimia como a anorexia. A relação é praticamente unanimidade entre os médicos psiquiatras e, devido à facilidade contemporânea de acesso à comunicação, seus efeitos nocivos acentuaram-se exponencialmente. A prevenção para os distúrbios alimentares envolve tanto aspectos científicos quanto de informação. No último caso, a medicina e a sociedade estão perdendo de goleada. Muito além dos ideais de beleza propagados na mídia e acessíveis a todos os olhos e ouvidos, ainda existem incontáveis sites e comunidades que reverenciam os corpos morbidamente esqueléticos, mas é praticamente inexistente uma comunicação que alerte sobre os riscos dessa idealização. É urgente que o Ministério da Saúde promova campanhas de esclarecimento para a população como forma de contra-ataque. Também é preciso chamar à mesa de discussões a iniciativa privada e debater até que ponto seus interesses comerciais e publicitários estão acima do bem-estar da população. Obviamente trata-se de questão delicada, que envolve liberdades constitucionais e aspectos econômicos, e deve ser conduzida com inteligência, bom senso e competência. Entretanto, não pode ser adiada, pois não existe solução visível para o aumento da incidência dos distúrbios alimentares e mortes, sem a abordagem nesse aspecto. Enquanto isso, pais, familiares e a sociedade civil como um todo devem assumir a responsabilidade pela prevenção. Tanto a anorexia como a bulimia caracterizam-se pela negação do paciente em relação à doença, ou seja, dificilmente o doente vai se convencer que precisa de ajuda. Ao contrário, o normal é que esse indivíduo oculte seu comportamento até avançar para um quadro clínico grave (onde são observados 20% de mortalidade). Cabe às pessoas próximas identificarem o problema e terem a iniciativa de buscar, às vezes coercitivamente, um tratamento. Qualquer “mania por regime” na adolescência, por exemplo, é fator de risco e deve ser analisado. Ao sinal de qualquer sintoma de relacionamento anormal com a alimentação deve-se iniciar imediatamente um tratamento médico. O indicado é que a assistência seja prestada por uma equipe multidisciplinar com ênfase no acompanhamento psicológico. E dessa maneira, serão envolvidos psiquiatras, psicólogos e nutricionistas. Por enquanto, a vigilância caseira é o método mais eficaz para evitar tragédias como as noticiadas recentemente.
José T. Thomé/Médico psiquiatra

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