Querem emagrecer para ganhar músculo, mas arriscam a vida ao recusarem comer. A anorexia, distúrbio alimentar cuja perda excessiva de peso acompanha mudanças de comportamento, é uma doença rara que, embora mais visível nas raparigas, também afecta rapazes.
Com 16 anos, Francisco (nome fictício) perdeu mais de 40 quilos em poucos meses. Aluno brilhante, empenhava-se em obter as médias desejáveis para entrar no curso de Medicina.
A ansiedade de querer alcançar as metas ambicionadas e o medo de ficar gordo à custa de uns «pneuzinhos» levaram-no a tornar-se mais agressivo, a isolar-se dos amigos e da família mas também a reduzir a comida no prato, que esfarelava e espalhava para dar a impressão de que era muita.
Cada vez mais magro - parecia um «velhinho» - ao ponto de as professoras já nem o reconhecerem na escola, Francisco perde-se nos receios de ficar «pançudo» e insiste em fazer grandes caminhadas e flexões debaixo da cama.
Começa a ter dificuldade em andar, calçar os ténis, abrir uma cómoda, apertar o fecho das calças.
Com 1,80 metros de altura e 39 quilos de peso, Francisco corre risco de vida. É internado, por sua iniciativa, num hospital do Porto, depois de efectuar um teste de matemática.
Sobrevive, recupera peso, já não quer morrer, como ameaçava tantas vezes a mãe, e arranja namorada, ainda que por pouco tempo.
Mas hoje, passados quatro anos, o pesadelo ainda persiste. O jovem, estudante de Medicina Veterinária, vomita propositadamente tudo o que come e tem pouco peso. Além de anoréctico, agora também é bulímico, uma consequência natural quando há desregulação do apetite.
«Não tem músculos, voltou à estaca zero», conta, amargurada, a mãe, Teresa (nome fictício).
«É um distúrbio alimentar que se caracteriza pelo radicalismo de atitudes, pelas práticas obsessivas, por uma percepção distorcida da realidade e um descontentamento do corpo. Um anoréctico não tem ausência de apetite, controla a vontade de comer por ter medo de engordar», explica Adelaide Braga, presidente da As sociação dos Familiares e Amigos dos Anorécticos e Bulímicos.
Entre os rapazes e as raparigas anorécticos não existem diferenças abissais, a não ser no número de casos diagnosticados.
Por ser uma doença tão rara, em especial nos homens, não há estatísticas, salvo as das consultas da especialidade em alguns hospitais, nem tão pouco estudos epidemiológicos feitos em Portugal. Apenas se sabe que, à semelhança do resto do mundo, a taxa de prevalência da doença é de um rapaz para cada nove ou dez raparigas.
Nos rapazes, além da impotência sexual, é «mais visível» a corrida louca aos ginásios para ganharem músculos e queimarem gorduras que não têm, segundo o psiquiatra Roma Torres, coordenador do Núcleo de Doenças do Comportamento Alimentar do Hospital de São João, no Porto.
De acordo com dados desta unidade, uma das poucas do País com consultas de distúrbios alimentares, nos últimos cinco anos foram atendidos 237 anorécticos, dos quais 228 mulheres e nove homens.
Apesar destes números, a presidente da Associação dos Familiares e Amigos dos Anorécticos e Bulímicos sustenta que «estão a aparecer mais casos» de rapazes anorécticos na instituição. Segundo a responsável, os rapazes «têm um sofrimento acrescido, escondem-se muito, por considerarem a anorexia uma doença das raparigas».
No limite, a doença pode conduzir à morte, por infecções generalizadas, e ao suicídio, este último sobretudo na fase de tratamento, por despertar os fantasmas do aumento da «barriguinha».
Francisco esteve à beira da morte aos 16 anos, quando atingiu um índice de massa corporal muito inferior ao recomendado (14,5 em vez de 18,5) e negava-se a comer. Hoje, que tem 20 anos, a doença teima em moer-lhe o corpo e a alma e ele diz que não consegue livrar-se dela.
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