terça-feira, janeiro 23, 2007

Obesidade e anorexia têm pontos em comum

Obesidade e anorexia têm pontos em comum
Por Cinthia Rodrigues São Paulo, 18 (AE) -
Kelly Cristina dos Santos, 26 anos, e Talita Ariane dos Santos, 19 anos, têm histórias parecidas. Parentes, moram no Itaim Paulista, zona leste da cidade de São Paulo, estão desempregadas e têm até a mesma altura, 1,70 metro. Kelly sofre de anorexia e chegou a pesar 37 quilos. Talita é obesa e pesa 110 quilos. As doenças que parecem opostas são, na verdade, mais uma semelhança entre as duas: ambas são vítimas de transtornos alimentares, que crescem no País.Na primeira semana de janeiro, o Estado de São Paulo assistiu a morte da quarta vítima de anorexia em pouco mais de um mês. Beatriz Cristina Ferraz, 23 anos, expôs a proximidade entre os dois transtornos. Ela morreu com 34 quilos, depois ter pesado mais de 100 quilos na adolescência. A contradição faz sentido para muitos especialistas que acompanham o aumento de casos tanto de anorexia quanto de obesidade.A coordenadora do Grupo de Estudos em Nutrição e Transtornos Alimentares (Genta), Marle Alvarenga, acha que as causas podem ser as mesmas nos dois problemas. Para ela, o padrão de beleza atual e o acesso cada vez mais fácil a produtos industrializados - pouco nutritivos e muito calóricos - ajuda quem evita comer a perder as forças e quem come demais a se tornar obeso. "A mesma cultura que te oferece cada vez mais comida também te pede magreza." De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a proporção de adultos obesos dobrou nas últimas décadas. Nos anos 70, eram 5,3% e em 2003, 10,75%. Ainda não há pesquisas que quantifiquem os casos de anorexia no País. As poucas clínicas especializadas foram criadas a partir dos anos 80. Em São Paulo, o Programa de Orientação e Assistência a Pacientes com Transtorno Alimentar (Proata) atende de graça cerca de 70 pessoas e a fila de espera é de meses. Kelly Cristina é uma das pacientes de anorexia tratada na entidade, ligada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ela começou a fazer regime aos 14 anos. "Fingia que almoçava no quarto e jogava tudo para o cachorro, pela janela", lembra. Logo veio a bulimia: quando comia, provocava o vômito. "No banho, usava o próprio chuveirinho para pôr pra fora, fazia isso todo dia." Passou de 65 kg para 38 kg.A mãe, Nair Rosa dos Santos, 64 anos, internou a caçula em vários hospitais. "A gente não tinha ouvido falar em anorexia." Foram anos de alimentação por sonda, recuperação e recaídas. Em 2004, Kelly começou a ser acompanhada por psiquiatra, psicólogo e nutricionista. Está quase recuperada. "Tenho consciência da minha doença, mas ainda é difícil me controlar. Às vezes, olho no espelho e me acho gorda", confessou. Ela está com 53 kg.A sobrinha dela, Talita, ainda não teve a sorte de conseguir tratamento. Uma endocrinologista a atendeu numa unidade de saúde e pediu exames que ainda não conseguiu realizar pela rede pública. A estudante, de 19 anos, desistiu de se preocupar com o corpo. "As pessoas ligam demais para isso", diz, apesar dos mais de 110 kg. A mãe, Maria Paulina dos Santos, desmente e conta que a filha não tem amigos, sofre de hipertensão e não controla a própria fome. "Já vimos esse filme com a Kelly, minha irmã, e é muito triste." SERVIÇO Proata - Programa de Orientação e Assistência aos Transtornos Alimentares da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Tel.: (11)5579-1543 Serviço: acompanhamento grátis com fila de espera de 5 meses Hospital das Clínicas de São Paulo - Ambulatório de Bulimia, Anorexia e outros Transtornos Alimentares Tel.: (11)3069-6975 Serviço: atende gratuitamente, mas está sem vagas atualmente.Genta - Grupo de Estudos em Nutrição e Transtornos Alimentares Tel.: (11)3672-3869 Serviço: estudo das doenças e semana de conscientização em setembro. Durante o ano, os profissionais cobram pelas consultas. BOXE AUTO-ESTIMA EM BAIXA É COMUM NOS DOIS CASOS A psiquiatra-coordenadora do Proata, Angélica de Medeiros Claudino, também vê uma característica comum nas vítimas de obesidade e anorexia: a baixa auto-estima. "A pessoa procura uma dieta maluca e pode tanto emagrecer quanto engordar demais. Basta ter a tendência", afirma.Foi o que aconteceu com uma das pacientes mais jovens do grupo. Quando estava com 11 anos uma colega de aeróbica fez o comentário perigoso: "você está gorda." Bastou para a criança procurar uma dieta de revista e parar de fazer as refeições corretamente. Caiu de 28 kg para 17 kg e precisava ser carregada até para o banho. No caso dela, a recuperação foi mais fácil. Hoje, com 13 anos, mede 1,56m, pesa 43 kg, está perto de ter alta e acha que a colega "foi uma invejosa". Mas nem sempre é assim. Ex-dançarina de jazz, Gerusa Cristina da Silva engordou de uma vez aos 17 anos, antes de se casar. Aos 34, já tentou de tudo e acaba de terminar um programa de terapia em grupo de 12 semanas. Emagreceu menos de um quilo e está com 116 kg. Entre os pacientes que procuram ajuda apenas 70% melhoram.

Sem comentários: