domingo, janeiro 28, 2007

Atenção a esta doença

Comida é coisa suja, massa corporal é banha e a fome é a melhor amiga de uma mulher. Obcecadas pela magreza excessiva e portadoras de distúrbios alimentares — embora não reconheçam isso —, algumas jovens resolveram usar a internet para dividir com outras anoréxicas o que consideram um estilo de vida. Preocupada com essa questão e pelo fácil acesso dos jovens - incluindo crianças - à internet, a psicóloga e doutora em saúde da criança e da mulher pelo Instituto Fernandes Figueira (IFF), unidade materno-infantil da Fiocruz, Ana Helena Rotta Soares, desenvolveu o estudo "Apologia aos transtornos alimentares na internet: o perigo dos grupos pró-ana e pró-mia para crianças e jovens".

Ele foi baseado em 120 comunidades do site de relacionamentos Orkut e mais de 50 weblogs, gerados com o propósito de estabelecer uma rede de suporte para jovens que se identificam como pró-ana (pró-anorexia) e pró-mia (pró-bulimia), ambos distúrbios alimentares que levam à perda de peso . Segundo a pesquisa, 67% dos membros desses ciberespaços são jovens entre 13 e 17 anos de idade e 5% deles são menores de 14 anos. A maioria menina. Os ambientes que serviram de amostras tratam a anorexia e a bulimia como um estilo de vida, e não como doenças. Neles, os depoimentos podem ser lidos como verdadeiros diários com histórias de jovens que depositam na internet o sonho de terem um corpo perfeito e contam com desenvoltura o que fazem para se livrar das gordurinhas a mais.

Essas patologias não são simples caprichos de meninas ricas e vazias


- O grande perigo do fácil acesso à informação está na identificação de quem tem a doença com outros portadores do distúrbio e na formação de um grupo social em busca do corpo esquelético, perpetuando e reforçando a má conduta, o que dificulta o processo de reconhecimento e busca de tratamento - explica a psicóloga.

Segundo a pesquisadora, no Brasil, o culto ao corpo perfeito, estigmatiza os obesos e faz com que milhares de pessoas coloquem a estética como prioridade em suas vidas, o que muitas vezes pode gerar os distúrbios, como é o caso da personagem Gisele, de 15 anos, interpretada pela atriz Pérola Faria, em Páginas da vida, novela da Rede Globo, que sofre de bulimia.

- Assim como na ficção, crianças e jovens do mundo inteiro, principalmente entre 13 e 17 anos de idade, desenvolvem a doença, que atinge mais mulheres do que homens e que conta com um fundo psicológico, neurológico e/ou psiquiátrico - afirma Ana Helena.

Para tratar ou evitar a doença, a psicóloga faz um alerta às famílias sobre a necessidade de observar os espaços visitados na internet por seus filhos. Para ela, o mundo virtual oferece dicas nutricionais que comprometem significativamente a saúde do indivíduo.

- É importante que a família participe da vida virtual de seus filhos e conheça os espaços onde circulam, gerando regras claras sobre o uso da internet. Infelizmente, no Brasil, essas patologias ainda são muitas vezes discutidas a partir do plano moral e reducionista. Não é amoral sofrer de um transtorno alimentar. Essas patologias não são simples caprichos de meninas ricas e vazias nem problemas exclusivos de modelos ou bailarinas - defende.

Tive que reaprender o prazer em comer


Ela ressalta ainda que são comuns informações na rede de como driblar pais e médicos e esconder os transtornos e seus sintomas.

- A doença é fácil de ser escondida. Na maioria das vezes a família só percebe quando a magreza é tão exacerbada que prejudica o tratamento - alerta a pesquisadora.

Para a administradora de empresas Beatriz Ayres, de 35 anos, vítima de anorexia nervosa, a doença deve ser levada a sério e não ser vista como um capricho. Para ela, os sintomas são sutis e possui um fundo psicológico mais propriamente do que físico.

- O corpo fica extremamente debilitado, mas é a cabeça que está doente. Tive que reaprender o prazer em comer - diz Beatriz.

A partir do estudo fundou-se a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público ( Oscip ) "Seu Abrigo" ( confira o site ), em parceria com a ONG Protegeles, da Espanha. Ana Helena explica que para alcançar usuários do mundo pró-transtornos alimentares foi construído um cenário semelhante aos sites criados pelas "anas" e "mias", utilizando os mesmos símbolos e linguagem.

- O que há de diferente é o conteúdo, que desmistifica as dicas nutricionais e comportamentais e oferece informações verdadeiras sobre o que realmente são os transtornos alimentares e as conseqüências e riscos das práticas inseridas na rede - esclarece a pesquisa

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