sexta-feira, janeiro 12, 2007

Aumento dos casos de anorexia gera preocupação "A anorexia não é uma mania, é uma doença grave"


A anorexia é uma doença psiquiátrica, de consequências graves. Nesta entrevista, o Prof. Doutor Pinto Gouveia esclarece as causas e as consequências e deixa as pistas para uma nova atitude em relação à doença.

Por Tiago Silveira Machado
A anorexia é um tema recorrente e que tem lugar assíduo nas conversas de milhares de portugueses. Em casa, no café, no trabalho ou num passeio entre amigos, quem é que nunca ouviu, pelo menos uma vez, a história de alguém que tem uma filha anoréctica? O tema é cativante, a conversa tende a acender-se como um rastilho, e as opiniões sobre o assunto soltam-se com facilidade. É como as cerejas... Invariavelmente, a doença é atribuída aos novos padrões de beleza, à moda, e não há quem se esqueça de apontar a ?esquelética? Kate Moss como a mãe de todas as anorécticas. Mas esta explicação, a redução da anorexia a uma tendência da moda, tem tanto de fácil como de enganador. É que esta doença tem pouco que ver com os novos padrões de beleza. A anorexia, de facto, é uma doença psiquiátrica que encontra explicação nos constrangimentos psicológicos que afligem os jovens - sobretudo do sexo feminino - em determinada fase da sua adolescência. Insistir na beleza como causa única para a anorexia é persistir no erro, é querer encontrar num pormenor a causa de um todo bem mais complexo.
10 sinais de alertaEmbora o diagnóstico seja difícil de estabelecer, há determinados sinais que poderão indicar a presença de uma anorexia.
Tome nota:
Emagrecimento rápido, por exemplo a perda de 15% da massa corporal em dois ou três meses.
Desculpas frequentes para não comer ou para o fazer isoladamente.
Ingestão exclusiva de frutas e saladas.
Consumo excessivo de laxantes e diuréticos.
Actividade física exagerada.
Mudança de temperamento - maior agressividade, irritabilidade, isolamento social.
Perturbações do sono.
Perda da menstruação ou, nos rapazes, da capacidade de erecção.
Queda do cabelo e manchas nas unhas.
Perda do desejo sexual
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Entrevista:


Perceber a anorexia
O Prof. Doutor Pinto Gouveia, director da consulta de distúrbios alimentares do Hospital de Coimbra, vem dedicando grande parte da sua actividade ao estudo e acompanhamento de jovens anorécticas. Explicou as causas e as inúmeras implicações desta doença e não deixou de lamentar os equívocos criados em torno da anorexia. Ora, foi exactamente por aí que começámos, pela actual importância da magreza, enquanto conceito de beleza, e pela sua errada associação às causas da anorexia.
Quais as consequências da valorização da magreza nas mulheres?
- A mais evidente é a insatisfação com o seu próprio corpo. Estudos efectuados em alguns países da Europa e nos EUA revelaram que 80 a 90 por cento das mulheres se mostraram insatisfeitas com o seu próprio corpo. Mas, curiosamente, só um por cento é que chega a desenvolver uma anorexia! Isto ajuda a perceber que não é suficiente querer ser magra para se ter uma anorexia, que esta doença não tem que ver com a intenção de se querer ser bela. Não se pode estabelecer uma relação entre a vontade de querer ser magra e o surgimento de uma anorexia? - Não. A vontade de querer ser magra, para se ser mais bela, não tem nada a ver com a anorexia, nem é a causa da doença.

O que pode, então, originar uma anorexia?
- É necessária a conjugação numa determinada altura dos seguintes factores: que a pessoa reúna algumas características de personalidade; que esteja a atravessar dificuldades pessoais; a começar a fazer uma dieta cujas consequências a podem levar a entrar num processo de anorexia. Percebe-se, assim, a relativa importância da pressão social pela magreza na anorexia. Aliás, repare que a anorexia nervosa é conhecida como doença desde 1873 e nessa altura ainda não havia modelos magras. Há pessoas que fazem dietas e que, depois de atingirem os objectivos, param de emagrecer.
Porque é que as anorécticas não param?
- Essa é a questão central. Muitos pais não percebem por que é que a sua filha continua a querer emagrecer, porque é que esta, por exemplo, pega numa maçã, a corta em centenas de pedaços e os come ao longo de várias horas. Os pais não conseguem perceber por que é que ela não pára, não conseguem compreender a lógica desse comportamento.
Capacidade de sofrimento...E qual é a lógica da anorexia?
- Como costumo dizer, é uma lógica próxima da dos santos da Idade Média. Ao dizer isto não pretendo estabelecer qualquer paralelismo entre a anorexia e a santidade. Quero apenas acentuar que na base dos comportamentos aparentemente estranhos das jovens com anorexia está uma valorização excessiva da sua força de vontade para controlar o peso e a forma corporal. Essa força de vontade é vista pela jovem como um sinal de valor pessoal, isto é, resistir à fome e às pressões dos outros para que coma, sacrificar toda a sua vida para não aumentar de peso, resistir às coisas - gelados, chocolates, etc. - que as outras jovens não conseguem dá-lhes um sentimento de serem diferentes, com o qual tentam diminuir as suas inseguranças de não serem valorizadas pelos outros.

A beleza e a anorexia: que relação?
Como quadro clínico a anorexia só foi descrita no século XVIII. Até aí medicina tradicional considerava a gordura como um sinal de saúde. Em sentido contrário, na saúde mental, a magreza extrema foi sempre associada a fenómenos como a esquizofrenia. Foi a partir deste século que começaram a ser publicados alguns estudos que contrariavam a ideia da gordura como sinal de saúde. Iniciou-se, entre a comunidade científica de então, um movimento a favor da magreza, mas numa dimensão diferente da que se verifica nas anorexias. Depois da II Guerra Mundial, verificou-se que algumas mulheres já controlavam o seu peso através do vómito, o que é característico da bulimia. Ao movimento cientifico de valorização da magreza, ou melhor, de punição da gordura, acabou por se juntar um movimento social que assumia os corpos magros como padrão de beleza. A partir da década de cinquenta, a tendência acentuou-se. Começou-se, também, a assistir a uma certa distorção da mensagem médica, que apontava como saudáveis, para os homens com mais de 40 anos, as dietas de baixas gorduras. Em consequência, de acordo como esta mensagem foi veiculada nos órgãos de informação, a gordura passou a ser diabolizada. Atento, o mercado começou a gerar uma indústria que veio ao encontro destas tendências. Hoje, essa indústria passa pelos produtos com fibras, sem gorduras, de baixas calorias, ginásio de manutenção, clinicas dietéticas, centros de massagem, produtos contra a celulite, etc. Uma indústria poderosa, que movimenta anualmente milhões de contos e que segue a par com a indústria da moda.
Essa capacidade de sacrifício tem de ser combinada com algumas características de personalidade...
- Sem dúvida. A jovem tem habitualmente uma auto-estima fraca, e dúvidas a cerca do seu valor o que até é normal acontecer pelos 13 anos. Trata-se de um momento em que nos começamos a comparar com os outros, a tentar perceber se temos valor, se estaremos à altura dos desafios que a vida nos vai colocar. Nestas idades, encontramos muitas jovens que duvidam do seu próprio valor, que não sentem confiança e que têm relações difíceis com aqueles que as rodeiam.
É também nessas idades que começam a fazer dietas...
- É verdade. Numa primeira fase até são elogiadas, dizem-lhes que estão mais bonitas. No entanto, a seguir, estas jovens começam a sentir que precisam de força de vontade para continuar a emagrecer. Logo, tendem a constatar a sua perda de peso como uma vitória. Esta sensação de conquista, de poder, vai-se tornando fundamental na definição do valor de uma jovem, que duvida do seu próprio valor em outras áreas da sua vida. Em consequência, vai começar a agarrar-se a essas vitórias diárias, ao facto de ser diferente, de conseguir o que os outros não conseguem.
A jovem passa a avaliar-se pela sua capacidade de perder peso?
- Sim. A anorexia passa, também, a assumir um papel simplificador e que está relacionado com os traços de obsessividade que se identificam nas jovens anorécticas. Elas pensam da seguinte forma: se eu controlo o meu peso, se faço dieta, se subo para a balança e vejo que perdi peso, ganhei. Ganhei valor! Caso contrário, sentem que não tiveram força para manter a dieta, que não valem nada. Só quando a jovem está a desenvolver este processo é que estamos perante um caso de anorexia. Então, os traços de personalidade são fundamentais.
Não basta querer ser magro para se ter uma anorexia...
- Não desenvolve uma anorexia quem quer. É necessário que a pessoa reuna características de personalidade, como um baixo auto-conceito e alguma obcessividade. Regra geral, as anorécticas são pessoas perfeccionistas, com altos padrões de exigência pessoal e com grande sentido de responsabilidade.
Pelas suas consequências, aparentemente, a anorexia acaba por resolver alguns dos problemas que as jovens têm de enfrentar...
- É verdade. Por exemplo, a diminuição exagerada de peso tem consequências biológicas, sendo um das mais evidentes a perda do período menstrual. Nessas circunstâncias, biologicamente, a jovem passa a ter 10 ou 11 anos e, por falta de hormonas femininas, as questões sexuais deixam de se colocar.

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