

Parte 2 - Continuação
A doença evolui
É possível caracterizar a evolução de uma anorexia?
- Costumo dizer que cada jovem com anorexia é um caso e que é perigoso reduzir esta questão a estereótipos. Inicialmente, quando não existem as características de personalidade já referidas, quando as relações com os amigos são razoáveis, é relativamente fácil impedir a evolução do processo. Noutros casos, quando já se confirmou que a jovem sofre de anorexia, verifica-se alguma reacção a qualquer tentativa de ajuda. Normalmente, acha que os pais é que estão a ser chatos e que a estão a pressionar. Por vezes, acontecem situações de violência familiar, nas quais as jovens até são agredidas. São episódios que só vêm piorar a situação.
Depois, a jovem entra em plena anorexia...
- Aqui, começamos a ter o desenvolvimento do processo. É a altura em que a jovem começa a perder peso até 10 a 15 por cento do seu peso normal. Começam a surgir sintomas relacionados com a própria perda de peso e que se distinguem da anorexia. Verifica-se um estado de irritabilidade e de inquietação permanente. À medida que a perda de peso se mantém, os sintomas também vão evoluindo. A tensão arterial baixa aumenta a sensação de fraqueza, começa a surgir uma penugem ao longo de todo o corpo - lanugo. Se a situação se prolonga, se a perda de peso é muito grande, entramos na fase aguda da doença. Aí, começam a surgir problemas muito perigosos, como a osteoporose.
Este é o momento extremo da doença, ou ainda pode haver um agravamento?
- Ainda se pode complicar mais, se a anoréctica for do tipo purgativo, isto é, se, além da dieta e do jejum, vomita com frequência - bulimia. Ao vomitar, a jovem perde sais minerais, correndo maior risco de fazer arritmias cardíacas, que por vezes podem ser fatais. Alguns dos casos mortais de anorexia passam por situações deste tipo.
Seguramente, já deparou com casos muito graves de anorexia...
- Sim. Desde Janeiro já recebemos quatro ou cinco jovens, entre os 13 e os 18 anos, com cerca de 1,60m de altura, cujo peso quase não ultrapassava os 30 quilos. O que começa a ser preocupante é que se verifica uma tendência para que os casos de anorexia comecem a surgir em jovens mais novas ou em mulheres mais velhas, o que era uma raridade.
Kate Moss - Eu não sou anoréctica
O "look" anoréctico nos desfiles de moda marcou uma época e não há quem não responsabilize a modelo britânica Kate Moss por essa tendência. Esta, porém, em sua defesa, sempre negou a sua influência na doença das suas admiradoras mais jovens, assim como o facto de ela própria ser anoréctica. Numa recente entrevista, à revista "Interview", Moss recordou os meses em que era insistentemente associada à doença e não deixou de fazer as suas criticas... Sentia-me triste porque servi de bode expiatório. Os "media" precisavam de culpar alguém, e eu fui a escolhida. Sentiam-se à vontade para falarem sobre mim, já que, para eles, qualquer pessoa magra é anoréctica, o que é ridículo?. Irritada, ainda acrescentou: Não valia a pena estar a repetir que não era anoréctica, pois ninguém queria saber?.
É possível tratar - Como se faz o tratamento de uma anorexia?
- Geralmente, quando a jovem recorre aos nossos serviços, a anorexia já está em franco desenvolvimento. A primeira coisa a fazer é explicar-lhe que temos de tratar os problemas que a levaram a desenvolver a doença. Estamos a falar das suas dúvidas, das suas inseguranças, etc. Esse é o objectivo prioritário. É claro que o peso também nos preocupa, sobretudo se está tão baixo que põe em risco a sua própria vida. É importante que a jovem sinta confiança em quem a está a acompanhar... - É importante criar uma relação de confiança. A jovem com anorexia não poderá ser ajudada enquanto sentir que o terapeuta só está preocupado em fazer aumentar o seu peso.
Tem de perceber que essa pessoa está decidida a resolver tudo aquilo que a preocupa, mas também que quanto mais baixo é o seu peso mais intranquila se sente e mais medo tem de aumentar de peso.
Tem de perceber que essa pessoa está decidida a resolver tudo aquilo que a preocupa, mas também que quanto mais baixo é o seu peso mais intranquila se sente e mais medo tem de aumentar de peso.
O ambiente familiar pode determinar o surgimento de uma anorexia?
- Não se pode dizer que a anorexia resulta de causas familiares. Há famílias, isso sim, que podem ser mais facilitadoras de desenvolvimento de anorexia do que outras. Não nos podemos esquecer de que todos os jovens, que fazem anorexia ou não, vivem o conflito familiar entre a autonomia e a dependência. Isto leva-nos a pensar em que medida a família está a facilitar o desenvolvimento de uma autonomia saudável da jovem ou a dificultá-la, empurrando a jovem para uma possível anorexia.
Quais são as perspectivas de vida de uma jovem anoréctica? - Eu trato anorexias há muitos anos e posso dizer que os resultados são francamente animadores. É claro, são processos demorados, que podem durar até dois anos. A recuperação completa não se consegue apenas com a regularização do peso. É necessário resolver os outros problemas já referidos. Então vale a pena ter esperança... - A minha experiência diz-me que vale a pena tratar a doença. Ainda não temos dados estatísticos que o comprovem, mas a taxa de cura será seguramente superior a 70 por cento.
O que é que os pais podem fazer?
- Antes de mais, têm de perceber que não se resolve a anorexia com vitaminas, fortificantes ou com medicamentos que abram o apetite. Quando suspeitam de que alguma coisa não está bem, devem é recorrer ao médico de família ou a um especialista habituado a lidar com estes problemas.
Por Tiago Silveira Machado
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