sexta-feira, janeiro 12, 2007

OS DISTÚRBIOS ALIMENTARES QUE PREFEREM OS JOVENS

Artigo da revista Farmácia Saúde do número 29 de Fevereiro de 1999

Por razões mais ou menos ignoradas, algumas pessoas - especialmente jovens - entram em distúrbios alimentares capazes de levar à morte. Os que se apresentam com bulimia entram em episódios em que consomem enormes quantidades de alimentos para, logo a seguir, forçarem o vómito ou ingerirem laxantes. Os que sofrem de anorexia limitam drasticamente a sua alimentação e quase metade deles apresentam também sintomas de bulimia. A maioria dos atingidos tem a maior dificuldade em cortar com este estranho hábito e só o consegue com tratamento adequado. Quando não tratados, estes distúrbios alimentares podem tornar-se crónicos e levantar sérios problemas de saúde.

A partir dos 12 anos, entre 4,5 a 18 por cento das mulheres sofrem de bulimia e 1 em cada 100 apresenta sintomas de anorexia. Nos homens, os casos são bem mais raros, atingindo apenas 5 a 10 por cento do total. Quanto às causas existem muitas teorias. Uma delas é a de que as raparigas são anormalmente pressionadas pela imagem de magreza como um ideal reproduzido por todas as revistas, pelo cinema e pela televisão. Outra hipótese é a existência de defeitos nos mensageiros químicos cerebrais que podem contribuir para o aparecimento desta desordem orgânica e a sua persistência.
O segredo da bulimia
Uma vez que as pessoas se começam a engorgitar para depois vomitarem, normalmente em conjunto com a prática de uma dieta, o ciclo infernal fica descontrolado com facilidade. Embora estes casos tendam a aparecer durante a adolescência e pouco após os 20 anos, muitos bulímicos conseguem esconder os seus sintomas, o que significa que estão a atrasar o indispensável tratamento até atingirem os 30 ou 40 anos. Há alguns anos, a actriz Jane Fonda revelou ter tido um bulimia secreta desde os 12 anos até à recuperação aos 35. Esclareceu que chegava a fazer enormes refeições e a vomitá-las até 20 vezes por dia. Muitas pessoas com bulimia conseguem manter um peso praticamente normal. Apesar de parecerem saudáveis e bem sucedidas - perfeitas em tudo o que fazem - na verdade têm uma auto-estima muito baixa e sentem-se muitas vezes deprimidas. Podem, além disso, apresentar outros estranhos comportamentos. Enquanto o consumo normal para um adolescente é entre 2 e 3 mil calorias diárias, um bulémico pode consumir 3 000 calorias apenas numa hora. Alguns chegam a ingerir mais de 20 mil calorias em refeições que podem durar oito horas. Para perder o peso ganho com o excesso alimentar, o bulémico começa por forçar o vómito, emprega laxantes e diuréticos. No intervalo entre duas refeições podem lançar-se num exagero de exercício. Estas purgas forçadas perturbam o equilíbrio normal do organismo em sódio, potássio e outros produtos. Isto traduz-se em fadiga, derrames cerebrais, arritmias cardíacas e em ossos mais delgados. Os vómitos repetidos podem prejudicar o estômago e o esófago, fazer encolher as gengivas e atacar o esmalte dos dentes (muitos destes doentes necessitam de dentaduras prematuramente). Outros efeitos incluem problemas de pele, vasos sanguíneos dilatados na pele do rosto e ciclos menstruais irregulares. A complexidade da anorexia Embora a anorexia surja quase sempre apenas na juventude, pode aparecer em qualquer idade e tem sido referenciada desde os 5 aos 60 anos. A sua incidência entre os 8 e os 11 anos parece estar a aumentar. A anorexia pode ser apenas um episódio simples e limitado, com uma grande perda de peso em breves meses, seguida pela recuperação. Ou pode ir aumentando gradualmente e persistir durante anos. A doença pode melhorar e piorar ou apenas ir-se tornando cada vez mais grave. Os anoréxicos fazem exercício em excesso. A sua preocupação com a comida cria-lhes habitualmente estranhos hábitos como remexer constantemente os alimentos no prato, cortá-los em pedaços minúsculos para prolongar a refeição e não comer com a família. Obcecados com a perda de peso e com o receio de se tornarem gordos, os anoréxicos olham qualquer naco de carne como gordura que deve ser eliminada. Quando se perde a gordura normal de um corpo, sentar-se ou estar deitado torna-se uma forma de desconforto, não de descanso, tornando muito difícil o sono. A continuação deste tipo de problemas tende a isolar o indivíduo e a afastá-lo dos amigos e da família. O organismo responde às carências alimentares retardando ou interrompendo certos processos corporais. Cai a tensão arterial, diminui o ritmo da respiração, cessa a menstruação (ou em raparigas muito jovens nunca chega a acontecer) e diminui a actividade da tiróide, glândula que regula o crescimento. A pele torna-se seca e o cabelo e as unhas apresentam-se quebradiços. Tonturas, intolerância ao frio, prisão de ventre e dores nas juntas são outros dos sintomas. A redução de gorduras leva à queda da temperatura corpórea e, para o necessário aquecimento, forma-se na pele uma espécie de penugem. O nível de substâncias químicas no corpo pode tornar-se tão desequilibrado que tende a provocar o colapso cardíaco. Procurar auxílio Um tratamento atempado é vital. À medida que qualquer um deste distúrbios alimentares se vai instalando, as suas consequências tornam-se cada vez mais irreversíveis. Normalmente, a família é chamada a ajudar no tratamento, para o qual não existem medicamentos especificamente aprovados. Opta-se assim por psicoterapia, conselhos nutricionistas, alterações do comportamento ou terapia de grupo. A terapia dura cerca de um ano, a não ser que o paciente apresente sintomas ameaçadores da própria vida ou sérios problemas psicológicos que exigem internamento. Se lhe parece que um amigo ou um familiar sofre de anorexia ou de bulimia, procure intervir, não fazendo um julgamento de comportamentos, mas encorajando essa pessoa a recorrer a tratamento. IMPOSSÍVEL CONVENCÊ-LA M. entrou em anorexia nervosa quando tinha 16 anos. Jovem tímida, estudiosa, esforçava-se para agradar a todos. Tinha uma aparência atraente, mas apresentava um pouco de peso a mais. Como qualquer outra rapariga, estava interessada em rapazes, mas receava não ser suficientemente bonita para lhes chamar a atenção. Quando o pai lhe disse, brincando, que nunca arranjaria um namorado se não perdesse peso, tomou-o a sério e começou a fazer intensa dieta - nunca acreditando que já estava suficientemente magra, mesmo quando começou a perder demasiado peso. Pouco depois de o peso começar a baixar, o período menstrual de M. cessou. À medida que a anorexia apertava as suas garras, tornou-se obcecada com as dietas e com os alimentos e criou estranhos rituais alimentares. Todos os dias pesava os alimentos que ia comer, cortando os sólidos em bocados minúsculos e medindo os líquidos com precisão. Colocava, depois, os alimentos em várias caixas muito bem alinhadas. Fazia também intensos exercícios, mesmo quando se mostrava extremamente fraca e quase a desmaiar. Nunca tomava um elevador quando podia subir as escadas. Ninguém era capaz de convencer M. de que se encontrava em perigo. Finalmente, o médico insistiu em hospitalizá-la, mas, mesmo no hospital, continuava secretamente a fazer extenuantes exercícios na casa de banho. Foram necessárias várias hospitalizações e um grande esforço individual e da família para que M. enfrentasse e resolvesse o seu problema. COMEÇOU POR UMA SIMPLES DIETA L. entrou em bulimia nervosa aos 18 anos. Como M., o seu estranho comportamento alimentar, começou quando iniciou uma dieta. Fazia dieta e praticava exercícios para perder peso, mas ao contrário de M., comia regularmente grandes quantidades de alimentos e mantinha o seu peso normal forçando-se a vomitar. L. sentia-se frequentemente zangada, receosa e deprimida. Incapaz de compreender o seu próprio comportamento, imaginou que também ninguém o conseguiria. Sentia-se isolada e desamparada. Tipicamente, quando as coisas não corriam bem, era tomada por um incontrolável desejo de doces. Comia enormes quantidades de açúcar e bolos de uma só vez até se sentir exausta ou com fortes dores de barriga. Depois, pressionada pelo sentimento de culpa, forçava-se a vomitar. Estes estranhos hábitos alimentares embaraçavam-na ao ponto de os manter secretos, até que certo dia tentou o suicídio. Felizmente, falhou. Em recuperação no hospital, constataram-se-lhe graves distúrbios alimentares e procurou a terapia de grupo. Ali encontrou remédio para tratar a doença, compreensão e a ajuda de que tanto necessitava por parte de outras pessoas que se confrontavam com o mesmo problema.

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